Blogueiras fitness com corpos perfeitos, uma barriga chapada te chama atenção e você se questiona: como essa mulher consegue se manter nesse corpo surreal? A partir disso, você começa a acreditar que a dieta restritiva que ela diz que mantém, realmente pode levar você a ter aquele corpo perfeito. Após alguns dias seguindo a tal dieta restritiva, uma vontade quase incontrolável de comer surge – especialmente alimentos ricos em gorduras e açúcares, os hiperpalatáveis - e você não resiste. Por que isso acontece? E como você pode enfrentar e ter de fato sucesso na mudança e manutenção de um estilo de vida saudável? A fim de responder essas questões trazemos uma entrevista com uma convidada especial, a pesquisadora e nutricionista Raquel Dal Sasso. - Primeiro, por que? Quem escolhe a maçã? Normalmente quem nunca foi exposto ao donut, ou seja, quem não o reconhece como um alimento seguro. Portanto, pouquíssimas pessoas. Por que esses alimentos hipercalóricos se tornam mais palatáveis? Por um mecanismo evolucionário, o cérebro é direcionado para a escolha de alimentos mais calóricos. Em um ambiente com superexposição a esse tipo de alimento, o que acontecerá? Ganho de peso e aumento no risco de doenças crônicas, o que vemos hoje no mundo todo. No congresso desse ano da Endocrine Society, a palestra com o pesquisador Michael Krashes revelou mecanismos, até então desconhecidos, que levam às escolhas por alimentos hiperpalatáveis. O que já sabíamos: alimentos ricos em gorduras e açúcares atuam no sistema de recompensa no cérebro, aliviando com mais intensidade as emoções negativas. O que a pesquisa do grupo liderado por Michael Krashes observou: em roedores, uma dieta rica em gordura alterou o sistema de recompensa e níveis de saciedade ao ponto de, mesmo após a interrupção da dieta rica em gordura, haver uma redução drástica no consumo da dieta saudável, até mesmo abaixo das suas necessidades energéticas (1). Assim, com base nesses resultados ainda experimentais, podemos concluir que uma dieta rica em alimentos altamente palatáveis é capaz de reduzir a nossa capacidade de sentir prazer quando consumimos alimentos saudáveis, menos palatáveis, como as frutas e as verduras. Ao mudar drasticamente de uma dieta hipercalórica para uma dieta restritiva, o sistema de recompensa permanece disfuncional. Os sinais neuronais que levam à busca continuada por uma fonte alternativa de alimentos mais calóricos que trazem a sensação de prazer e recompensa, permanecem. Trazendo esse mecanismo para o cenário da blogueira que te influenciou a seguir uma dieta restritiva do dia para a noite, as chances de você voltar a consumir os alimentos hipercalóricos, após alguns dias, será grande, sendo que o impulso para comer será provavelmente maior, assim como serão maiores as quantidades consumidas, mesmo na ausência de fome.
- E agora, o que fazer? De acordo com a neurocientista Sandra Aamodt, a solução mais eficaz passa pela mudança do ambiente alimentar. Reduzir a exposição a propagandas de alimentos não saudáveis é o primeiro passo, principalmente para o público mais vulnerável, o infantil. A nutricionista e pesquisadora Raquel Dal Sasso (@niyamanutri), reflete sobre alguns pontos importantes. “A introdução de hábitos saudáveis é um processo bastante lento e a pessoa deve ser um tanto persistente. Vou contar um pouco da minha história para vocês entenderem melhor o que quero dizer com isso. Eu era uma adolescente que não ingeria nenhum tipo de verdura e fruta. Em função de um ganho de peso enorme durante a minha curta vida (até aquele momento), fui instaurando pequenos hábitos. Comecei por beber mais água. Só isso. Depois, fui introduzindo salada na minha alimentação com algo para “esconder” o gosto da salada, como queijos e molhos diferentes. E, dessa maneira, fui mudando pois fui sentindo diferença na minha saúde e, consequentemente no peso corporal. Gosto de dizer que a perda de peso é a consequência do processo, e não o objetivo final. O objetivo sempre é ganhar saúde. Voltando, ao assunto, para incluir hábitos saudáveis deve ser dado um passo de cada vez, da maneira mais devagar possível, para aquele hábito poder ser “absorvido” e a pessoa poder passar para o próximo (quase como um jogo, quando passa de fase). Não há como um nutricionista ajudar um paciente a criar novos hábitos em poucas consultas, pois existe todo um universo por trás daquela pessoa e esses novos hábitos devem ser absorvidos por esse universo. Então, um hábito por vez, um passo por vez, até que os hábitos se tornem parte da vida da pessoa.” O modo como ocorre o ganho de peso pode ser resumido basicamente em: comer quando não se está com fome. O que fazer então? Aprender a identificar sinais de fome e saciedade. Segundo a Raquel, é preciso consciência na hora das refeições. “Comer com atenção plena (ou seja, perceber o que está comendo e estar atento ao alimento) e sentir o sabor da comida com prazer, automaticamente irá lhe fazer comer menos. Então, evitar o efeito rebote de ganho de peso é desconstruir a mentalidade de dieta restritiva e saborear mais os alimentos (sem esquecer do valor nutricional).” Isso nos faz lembrar um hábito de mindful eating de uma das blue zones. "Se você tiver a sorte de sentar ao lado de um idoso de Okinawa, irá ouvir antes da sua refeição essas palavras inspiradas no confucionismo: hara hachi bu — como uma forma de lembrar que se deve parar de comer quando estiver 80% satisfeito." Trecho obtido em uma entrevista com Dan Buettner, jornalista e pesquisador das Blue Zones. Por fim, algumas estratégias para tentar manter o peso e a saúde em equilíbrio. Recomendações que inclusive fazem parte do guia alimentar do governo do Canadá: 1. Cozinhar mais frequentemente 2. Realizar refeições com amigos (mesmo que de forma virtual, por enquanto) 3. Ter tempo para se alimentar 4. Evitar distrações enquanto come - Alguns links interessantes:
Currículo Raquel Dal Sasso Freitas: Nutricionista graduada pela PUCRS, mestre e doutora em Medicina e Ciências da Saúde, com ênfase em Farmacologia Bioquímica e Molecular na mesma universidade. Além disso, é especialista em Terapia Intensiva (também pela PUCRS) e atualmente é pós-graduanda em Comportamento Alimentar (IPGS). Atua como pesquisadora em nível de pós-doutorado no Centro de Pesquisa em Toxicologia e Farmacologia na PUCRS e como nutricionista clínica em consultório particular, com ênfase em comportamento alimentar.
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F&T Notes: por Fernanda Bernaud e Thaís Rasia
Colaboração: Isadora Randon Barbosa (biomédica e estudante de nutrição)
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